O faturamento do setor de franquias no Brasil atingiu R$ 240,6 bilhões em 2023, um crescimento nominal de 13,8% em relação a 2022. Em comparação a 2019, no período pré-pandemia, o aumento foi de 28,9%, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF).
O presidente da entidade, Antonio Moreira Leite, afirma que o setor cresce descolado da crise do varejo e que não faltam fontes de financiamento para as operações. E os números comprovam isso.
O levantamento da ABF aponta que o número de redes chegou a 3.311 (crescimento de 7,6% em relação a 2022) e os empregos diretos gerados atingiu 1,7 milhão, o que representa um aumento de 7,1% em comparação ao ano anterior. Já o número de operações de franquias totalizou 195,8 mil, 7,8% superior a 2022. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A economia brasileira teve um crescimento acima do esperado em 2023, em torno de 3%, e o setor de franquias cresceu bem acima disso, quase 14%. O que justifica esse desempenho?
Não podemos desconsiderar o cenário macroeconômico, que ajudou muito, mas o desempenho do nosso setor, sem dúvida, teve variáveis distintas. O crescimento de 13,8% no ano passado, em termos nominais, mostra que o franchising tem uma dinâmica própria. Mas não existe uma única razão. O desempenho forte do setor agro, por exemplo, toca diretamente o franchising. Fora os efeitos macro, há também temas regionais, que estão gerando riqueza e renda. Quando a gente vê um crescimento de 23% no setor se serviços, nisso estamos falando também do franchising.
Então, o franchising tem sido puxado mais por fatores macroeconômicos?
Também. Mas temos de considerar a sua própria dinâmica. A gente teve uma agenda entre 2020 e 2022 de transformação acelerada dos negócios, motivadas pelos efeitos da pandemia. A minha leitura é que esse processo de adaptabilidade e inovação, que foi feito de uma maneira forçada e rápida, traz uma série de ganhos.
Quais ganhos?
Um exemplo é o e-commerce. As vendas on-line se tornaram um canal importante dentro de vários segmentos, inclusive para o varejo físico. Mas aí há toda uma recuperação daqueles modelos de negócio que dependem do atendimento físico. Então, eu quero dizer o seguinte, o que durante a pandemia foi algo forçado, agora vira realmente um canal que se adiciona ao atendimento físico. O somatório desses dois novos canais se estabelece de fato e ajuda no crescimento de diversos segmentos. O mesmo vale para outros setores, como hotelaria e turismo. Com a reabertura total dos negócios, considerando o índice de confiança do consumidor mais elevado e a demanda reprimida significativa por bens e serviços, as pessoas buscam realmente agora ter essa demanda atendida. É algo que acontece também com alimentação fora do lar. Os restaurantes estão sendo positivamente impactados.
Isso gerou mais crescimento para o setor de franquias?
Sem dúvida. Muito. Outro exemplo disso é o setor de beleza e saúde. Esses segmentos estão crescendo muito dentro do franchising. São clínicas odontológicas, óticas, moda… Então, com a volta parcial do trabalho presencial, voltou a demanda por lazer, por eventos profissionais e pela necessidade de repor o guarda-roupa. Tudo isso gera negócios.
O crescimento ocorre pelos pequenos empreendedores ou pelas grandes redes de franquias?
Nos dois, mas há um aumento forte nas redes. O número de operações de unidades franqueadas cresceu 6,2%, número que foi puxado pelas 3.311 novas unidades de marcas de rede. Hoje, são quase 196 mil operações franqueadas no Brasil. Isso, na minha leitura, guarda relação com o ímpeto empreendedor do brasileiro.
Os últimos anos têm sido difíceis para o varejo tradicional, com crises em gigantes como Magalu, Casas Bahia e Americanas. Esses problemas não afetam as franquias?
Há um descolamento do mercado de franchising com a crise do varejo tradicional no Brasil. Dois elementos importantes ajudam a entender isso. O primeiro é a perspectiva financeira. De uma maneira geral, o negócio de franquias, olhando os ecossistemas e olhando perspectiva da franqueadora, é um negócio que chamamos de Asset Light. Significa que o negócio de franquias não é intensivo em capital. Isso porque se cresce através do investimento de um parceiro de negócio, que é o franqueado. A estrutura de capital de franqueadoras tem um perfil muito diferente de um varejista tradicional, que possui operações proprietárias, intensivo em Capex, intensivo em reinvestimento. Quando se sai de um cenário pandêmico, com a taxa Selic atingindo os patamares que atingiu, empresas que têm uma estrutura de capital com índice de alavancagem muito alta e com legado de passivo que a pandemia trouxe, pode se ver numa situação mais delicada. Então, isso é uma diferença importante.
Qual a outra perspectiva, além da financeira?
Outra diferença é o modelo de negócio. O franchising, diferentemente desses que são intensivos em lojas próprias, de um lado tem um empresário franqueador e de outro você tem um empresário franqueado. Então, é um ecossistema feito de empresário para empresário. Também é inegável que durante a crise o ente franqueador se fez presente dando oxigênio financeiro para esse parceiro franqueado.
Porque um empresário franqueado é um empresário que vai continuamente desafiar de uma maneira positiva o franqueador a otimizar processos, a aumentar a margem, a diminuir o custo, a trazer maior eficiência operacional para as franquias. Ele é um empresário que está motivado a fazer aquele negócio dele melhorar continuamente. Pode parecer pouco impactante isso, mas quando há uma estrutura própria, de verdade, os incentivos e as motivações de um sistema de negócios são tocados por funcionários. Esse modelo está em crise.
Os bancos e os investidores conseguem enxergar essa desconexão do varejo e das franquias?
Sem dúvida. O sistema financeiro já conseguiu entender que o franchising não vive a crise do varejo. Tanto é que não existem grandes dificuldades de acesso a capital. O fato de ser um ecossistema de empresário para empresário, isso leva a uma curva forçada de melhoria contínua. Essa é a maior fortaleza do franchising. Isso se reflete em algumas companhias que operam através do franchising, já acessando o mercado de capitais, por meio de diferentes instrumentos. A gente vê empresas que já têm ações negociadas em bolsa. Posso dar como exemplo real o que nós, como Grupo Trigo [além de presidente da ABF, ele também controla esse grupo de franquias], fizemos em 2003, com a emissão de notas comerciais, que é um título de mercado de capitais.
As franquias representam risco menor aos bancos?
Sim. O sistema financeiro já conseguiu entender esse momento do franchising. Tenho informações das instituições financeiras, do ponto de vista de risco, comparando o franchising com outros setores. A inadimplência dentro do franchising é inferior à de outros segmentos, em especial aos arranjos de empreendedorismos independentes. Então, sob a perspectiva da capacidade de captar recursos junto ao sistema financeiro, acho que o setor de franquias leva grande vantagem. O sistema financeiro entende o franchising e o enxerga como uma oportunidade relevante. E aí posso nominar Santander, Caixa, Itaú no atacado e Bradesco no varejo.