O Conselho Administrativo de Recursos Federais – CARF, está analisando a questão acerca da tributação pela contribuição previdenciária dos valores recebidos por pessoas físicas ou jurídicas a título de remuneração em negócios que envolvam o marketing multinível.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD), o marketing multinível é um modelo de negócio em que um empreendedor pode lucrar tanto com a revenda de produtos e serviços quanto com a revenda feita por membros de sua própria equipe de vendas, que foi formada por meio da indicação de outras pessoas para a sua rede.

A remuneração oriunda de sua equipe de vendas costuma ser proporcional à receita decorrente das vendas dos revendedores da equipe.

Em outras palavras, no marketing multinível, o empreendedor recebe uma comissão tanto pelas vendas efetuadas diretamente quanto pelas vendas efetuadas por sua equipe.

Sob a perspectiva de crescimento empresarial, tal modelo incentiva a entrada de novos empreendedores em um determinado negócio e possibilita uma melhor distribuição dos produtos e serviços.

A principal controvérsia tributária no que tange ao modelo de negócio do marketing multinível diz respeito à incidência ou não de contribuição previdenciária sobre os montantes pagos pelas empresas aos empreendedores que distribuem os seus produtos ou serviços, que podem realizar tais atividades enquanto pessoas físicas ou podem constituir pessoas jurídicas para tanto.

Vale ressaltar que a contribuição previdenciária sobre a folha de salários está prevista no artigo 22, I, da Lei n. 8.212/913, no qual se determina sua incidência sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho.

O ponto principal do dispositivo é que a incidência da contribuição previdenciária deriva do pagamento de uma remuneração para retribuição do trabalho.

Dessa forma, as autuações fiscais envolvendo empresas que se utilizam do marketing multinível se referem ao reenquadramento da relação entre elas e os seus distribuidores como uma relação de trabalho e a correspondente atribuição de caráter retributivo do trabalho para os valores entre elas transacionados.

Quando o distribuidor se reveste da forma de pessoa jurídica, há uma desconsideração para fins fiscais dessa pessoa jurídica, de modo que a autuação pressupõe que o pagamento se deu a um trabalhador.

Feitas as principais considerações sobre a controvérsia tributária do marketing multinível, analisaremos os precedentes do Carf sobre o tema.

Nos Acórdãos 2402-004.991 e 2402-004.992 (ambos de 16/02/16), foi dado provimento, por unanimidade, ao Recurso Voluntário para exonerar o crédito tributário constituído com o auto de infração de contribuição previdenciária.

Foi entendido que no modelo de negócio utilizado pelo contribuinte não havia relação de emprego, prestação de serviços autônomos ou prestação de serviços de distribuição comercial por parte dos empreendedores.

A remuneração deles advinha de prêmios ou bônus que se originavam de um fundo formado pelos próprios distribuidores, cujos recursos eram aportados por meio do “Valor de Alocação de Rede (VAR)”.

Da análise dos contratos, verificou-se que os distribuidores autorizados adquiriam produtos da recorrente para revenda e, quando da liquidação das aquisições, parte do valor era entregue para um fundo financeiro que era administrado pela autuada, sendo que tal fundo era periodicamente dividido e/ou rateado entre os distribuidores, em conformidade com os critérios estabelecidos no Plano de Marketing a que todos se subordinavam e tinham prévio conhecimento.

Tais acórdãos foram objeto de embargos de declaração, sendo reformados pelos Acórdãos 2402-006.448 (05/07/18) e 2402-006.144 (de 05/04/18), respectivamente, no entanto, não houve alteração com relação às decisões de mérito anteriormente proferidas.

Vale notar que foram desconsideradas as pessoas jurídicas constituídas pelos distribuidores dos produtos. Para tanto, foi observado que a partir do momento em que o empreendedor alcançava uma determinada qualificação, ele era obrigado a constituir uma pessoa jurídica.

Todavia, quando do julgamento do Carf, prevaleceu o entendimento do conselheiro relator, Rayd Santana Ferreira, de que o modelo de negócio em discussão possui duas formas de remuneração: o lucro no varejo e o lucro no atacado.

Com relação ao lucro no varejo, esse se origina da compra do produto por um preço inferior ao sugerido para a venda ao consumidor final, isto é, haveria um desconto dado ao distribuidor que varia de 25% a 50%, de modo que a autuação fiscal está equivocada ao afirmar que o lucro advém da venda a outro distribuidor.

Por sua vez, no que tange ao lucro no atacado, cumpre ressaltar que um distribuidor, que esteja qualificado para obter um desconto superior ao de um distribuidor que esteja em sua linha descendente, poderia adquirir o produto da recorrente e revende-lo ao distribuidor descendente, auferindo o lucro de uma revenda no atacado, o que também ocorreria quando o distribuidor na linha descendente adquire o produto diretamente da empresa.

Assim, diante da comprovação documental trazida por meio de tabelas, restaram comprovados os critérios de distribuição dos percentuais de vendas, o que demonstraria que se trata de uma relação puramente comercial.

Com isso, os representantes do CARF reconheceram que os valores recebidos pelos empreendedores se enquadrariam como verdadeiros ganhos comerciais e não ganhos decorrentes de contraprestação por serviços prestados.

Dessa forma, foi entendido que a relação jurídica entre a empresa que vende os produtos e os seus distribuidores possui natureza de prestação de serviço, tal qual a prestação de serviço de um representante comercial.

Como consequência, concluiu-se que as bonificações pagas teriam natureza de compensações pagas aos distribuidores com base no volume de produtos que ele, e o grupo de colaboradores por ele formado, adquiriram para revenda, de acordo com os requisitos delineados em contrato.

Por mais que o número de casos analisados no Carf nos últimos anos sobre o tema não seja baixo, é importante salientar que eles envolvem uma quantidade pequena de empresas, o que dificulta as possíveis conclusões.

Todavia, diante do exposto, nota-se que as decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf têm sido negativas ao contribuinte no sentido de caracterização dos pagamentos no âmbito do marketing multinível como passíveis de incidência da contribuição previdenciária, no entanto, é fundamental que sejam analisadas em cada caso concreto as características específicas de cada contrato em que haja alguma remuneração em decorrência da adoção de um modelo de marketing multinível.