Mais uma pirâmide financeira acaba em tragédia

Um esquema de pirâmide financeira causou prejuízos da ordem de R$ 20 milhões para investidores e também resultou em tragédia no Rio de Janeiro.

A fraude foi praticada por um agente autônomo que foi ligado a um dos escritórios do grupo BankRio/Invest Smart, no Rio de Janeiro, um dos maiores da rede da XP Investimentos.

As transações fraudulentas foram realizadas fora do ambiente da corretora e também da estrutura da BankRio. Mesmo assim, a XP decidiu ressarcir os clientes.

André Luiz da Motta e Albuquerque, um agente autônomo de investimentos vinculado à plataforma desde 2016, criou uma empresa paralela chamada AI e Albuquerque Consultoria e, por meio dela, captou recursos de investidores com a promessa
de ganhos expressivos.

Nas mensagens enviadas a seus clientes, Albuquerque dizia tratar-se de operações sem relação com a BankRio ou a XP e afirmava que nelas usava capital próprio para dar um “gain” (ganho) para um grupo restrito de “amigos”.

Com esse tipo de abordagem, ele deixou prejuízos para investidores, que mandaram seus recursos para a conta de sua empresa, em vez de remetê-los para a própria XP, como seria o fluxo normal de qualquer operação de investimento com a corretora.

No último dia 28, Albuquerque tirou a própria vida, ao se jogar do terraço do restaurante do Hotel Hilton, na Barra da Tijuca, no Rio. Ele não estava hospedado no hotel.

O boletim de ocorrência foi registrado na 32º Delegacia de Polícia. A família preferiu não comentar.

Há dez dias, a XP recebeu uma reclamação de um investidor e, a partir daí, detectou a fraude, conforme apurou o Valor. O assessor foi descredenciado pela XP, desligado da sociedade da BankRio e seu esquema foi reportado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao Banco Central (BC).

A XP mandou um comunicado para a sua rede de agentes autônomos, classificando a fraude como um caso isolado.

“Vale ressaltar que nenhuma transação foi realizada dentro do ambiente da XP Investimentos e que os clientes devem ser cuidadosos com o envio dos seus recursos, garantindo que estes sejam sempre feitos para as suas respectivas contas na própria XP Investimentos e não para pessoas jurídicas que não são autorizadas a atuar como intermediadoras de investimentos ou produtos financeiros.”

Sem detalhes e sem citar Albuquerque, viralizou no sábado, em grupos de WhatsApp, uma mensagem apócrifa que tenta responsabilizar a BankRio e a XP pelo suposto sistema de pirâmide.

O texto, em tom acusatório, diz que a corretora tenta abafar o ocorrido para não atrapalhar seus negócios e o plano de uma oferta pública inicial (IPO) na Nasdaq, em Nova
York.

A XP esclareceu ao grupo dos 20 maiores escritórios vinculados à plataforma que está assumindo os prejuízos dos investidores afetados. “De qualquer forma, por mais que legalmente não tenhamos responsabilidade pelos atos causados, somos grande mantenedora da indústria independente de investimentos e todos os clientes que sofreram perdas estão sendo ressarcidos.”

Procurada pela reportagem, a XP não dispôs de um porta-voz para comentar, mas emitiu uma nota também confirmando a comunicação do caso à CVM e ao BC: “A empresa esclarece que não tem qualquer vínculo com o ocorrido. O evento foi totalmente isolado e ocasionado por um indivíduo que atuava como assessor de investimento, mas que também realizava atividades paralelas irregulares, por meio de pessoa jurídica própria, fora do sistema financeiro, e que levou investidores a comprar operações particulares. No caso em questão, nenhuma transação ou transferência foi realizada dentro da plataforma da XP Investimentos”.

Como os agentes autônomos são prepostos das corretoras, são elas as responsáveis por monitorar esse tipo de prestação de serviço. A regulação da atividade exige, por exemplo, a gravação de conversas telefônicas e o monitoramento de e-mails.

Mas se a circulação do dinheiro e a troca de informações se dão fora do ambiente controlado, não há como detectar de imediato o eventual desvio de conduta do assessor de investimentos.

Procurada, a BankRio informou que teve ciência há alguns dias de que um assessor realizava atividades paralelas irregulares, por meio de pessoa jurídica própria, fora do sistema financeiro, e que levou investidores, parte deles clientes da empresa, a comprar operações particulares. No mesmo dia, a empresa realizou uma assembleia de cotistas para retirar o agente do contrato social, fazendo adicionalmente o pedido para a desvinculação na CVM e na Ancord, que credencia os agentes.

“Nenhuma operação foi realizada dentro da BankRio e tampouco dentro da plataforma da XP”, diz a nota. “Cabe ressaltar que os clientes estão sendo assistidos por toda equipe da empresa”, acrescenta o texto.

“A BankRio sente muito pelo ocorrido e reforça que não compactua com qualquer prática que descumpra as normas vigentes, estando em conformidade em todas as suas operações.”

A CVM informou que “acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo participantes do mercado de capitais, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário. A autarquia não comenta casos específicos em andamento”.

Caso o regulador verifique a existência de fraude, a praxe é informar à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, pois configura crime financeiro e contra a economia popular. A CVM atua na esfera administrativa, mas não na criminal.

A decisão da XP de ressarcir os investidores, mesmo se declarando legalmente não responsável, evidencia sua preocupação com o episódio. O caso de Albuquerque, ainda em apuração na CVM, pode ser o segundo escândalo envolvendo assessorias de investimentos em um curto espaço de tempo.

No começo deste ano veio à tona a fraude de R$ 170 milhões da JJ Invest, também no Rio de Janeiro. A empresa prometia retorno de até 10% ao ano e sumiu com o dinheiro dos investidores.

Um concorrente da XP lamentou o ocorrido, por considerar que casos assim prejudicam todo o setor de distribuição de produtos financeiros independente.

Promessas de lucro fácil invariavelmente não se sustentam