O executivo paulista Cristiano Amon foi escolhido por unanimidade o novo CEO global da Qualcomm, empresa americana de chips com valor de mercado de quase R$ 1 trilhão.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fim da década de 1980, um aluno do curso de Engenharia Elétrica desafia um professor, conhecido por convocar provas orais de surpresa.

O jovem estudante, sabendo das dificuldades da matéria e das provocações do mestre, “devorou” os livros. Estudou tudo com afinco. E um belo dia foi chamado para o teste, de duas perguntas, cada uma valendo 50% da nota.

Na primeira indagação, êxito. Na segunda, outra resposta correta. A aparente vitória foi comemorada com um sorriso maroto, tão provocador quanto a intenção do professor.

Foi o suficiente para que aquela prova verbal excepcionalmente mudasse de formato e ganhasse uma terceira pergunta. Um questionamento difícil, que não estava nos livros. Sequer fazia parte do curso.

O argumento do aluno foi óbvio: “Mas, professor, isso não está na matéria!”. A tréplica do docente foi arrebatadora: “Não está? Mas que droga de engenheiro você vai ser se você só estuda o que está na matéria?”

Cristiano Amon, aquele aluno perspicaz, relatou o episódio três décadas depois, em novembro de 2019, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Unicamp.

Foi o 29º cientista a receber a honraria em 53 anos. O único da área tecnológica. “Não só aprendi coisas fundamentais que me foram muito úteis na minha carreira, mas aprendi a pensar”, disse o engenheiro, em seu discurso.

O aprendizado o levou a trilhar um caminho de sucesso, que, agora, o leva a comandar uma das maiores companhias de tecnologia do mundo: a Qualcomm.

Aos 50 anos, Amon foi escolhido nesta semana, por unanimidade, pelo conselho de administração da gigante de telecomunicações para ser seu novo CEO global.

Ele assume o cargo em 30 de junho, em substituição a Steve Mollenkopf, que vai se aposentar.

A empresa, fundada em 1985, produz os chips e componentes para smartphones com alta tecnologia. É uma das líderes globais do setor. Empresas como Motorola, LG e Nokia utilizam os chips da Qualcomm. Por isso o desafio é tão grande quanto o tamanho da companhia.

A empresa que Amon presidirá era avaliada na Nasdaq em US$ 171 bilhões. Ou R$ 911 bilhões. É quase o dobro da Vale, a maior empresa cotada na B3 (R$ 491,5 bilhões) e mais de duas Petrobras, com valor de mercado na casa dos R$ 394,5 bilhões.

No ano fiscal 2020, encerrado em setembro, o faturamento da Qualcomm foi de US$ 23,5 bilhões. De março a dezembro do ano passado, as ações da empresa cresceram 150%, passando de US$ 60,91 (valor próximo ao registrado na média dos anos anteriores) para US$ 152,43. Pelas cifras e pelo contexto global, o engenheiro Cristiano Amon será o principal executivo brasileiro no mundo dos negócios.

Com passagens também pela Vésper, NEC, Ericsson e Velocom, ele ingressou na Qualcomm em 1995.

Na gigante americana, passou por vários cargos técnicos e de liderança comercial. Desde janeiro de 2018 é o presidente da empresa — posição abaixo da de CEO global.

Liderou o desenvolvimento da estratégia 5G da companhia, incluindo sua aceleração, roteiro de tecnologia e implementação global. Também impulsionou a diversificação dos negócios para além dos dispositivos móveis e em novos segmentos da indústria, como sistemas automotivos, RF Front-End (circuito receptor de rádio) e IoT.

“Estivemos na vanguarda da inovação por décadas e estou ansioso para manter essa posição no futuro”, afirmou o executivo, em nota. “Estou ansioso para trabalhar com nossos 41 mil funcionários em todo o mundo para criar tecnologias que revolucionem a maneira como as pessoas vivem, trabalham e se conectam”, disse.

Entre suas histórias mais famosas no ambiente corporativo está uma briga judicial com a Apple por questões de patente. As empresas chegaram a um acordo, cujas condições não foram divulgadas. O engenheiro também traz no currículo a tentativa de abertura de uma fábrica no Brasil em 2019, projeto que acabou engavetado.

Steve Mollenkopf, que iniciou o processo de passagem do bastão a Cristiano Amon, elogiou o brasileiro.

“Com nosso modelo de negócios claramente validado e nossa liderança em 5G, este é o momento certo para Cristiano assumir a liderança da empresa e presidir o que vejo como a maior oportunidade da história da companhia”, afirmou, também em nota.

CHIPS Segundo pesquisa da consultoria Couterpoint, a Qualcomm perdeu a liderança de mercado de chipsets de smartphones no terceiro trimestre de 2020. Com 29% de market share, foi ultrapassada pela MediaTek, com 31%.

A quinta geração de internet, que deve começar a neste ano no Brasil, é um grande campo a ser explorado pela empresa.

A partir de junho à frente da operação global da Qualcomm, Amon terá de dar respostas a perguntas cada vez mais complexas, que não estão no roteiro do mercado — ou na matéria, como dizia eu professor. Mas ele saberá as respostas.